Ary Coelho é o nome da praça, que é suja e malcuidada; ilhas
esparsas de grama ressequida parecem sujeiras não varridas; o chafariz estava
tão depredado que suas antigas formas estavam, agora, indistintas; os caminhos
de tijolos envelhecidos alcatifados de folhas caídas. Quem a visse jamais
desconfiaria que, num passado não muito distante, ela fora famosa, lugar para
crianças brincarem, velhos descansarem, amantes e enamorados trocarem juras de
amor eterno.
Apenas os bancos de madeira, indiferentes à deterioração que
um dia atinge a todos os seres e coisas, permaneciam tais quais eram. O local,
outrora frequentado por famílias, há muito estava malcuidado ––apesar de
reformado não faz muitos anos––, tendo se tornado ermo e perigoso, mesmo no
centro da cidade. De vez em quando, drogados ou vagabundos aparece, mas apenas
nas primeiras horas da noite —o sol e a falta de abrigo ou sombra tornavam tudo
muito desnudo e devassado para quem preferia a escuridão e o segredo.
Mas alguém parece ter se interessado em reviver o encanto da
mais central das praças de Campo Grande e, pelo menos aos domingos, promover
recitais de música no coreto da Ary Coelho. Coreto?, você perguntará! Sim, um
coreto, um desses pavilhões erigidos em praças ou jardins públicos para concertos
musicais. E que tipo de música é tocada no coreto. Não pense nessa coisa
horrorosa de música sertaneja, mas choro ou chorinho.
E o que é chorinho? Nos primórdios, era apenas uma maneira
mais emotiva, ou chorosa, de interpretar uma melodia, cujos praticantes eram
chamados de chorões. Como gênero, o choro só tomou forma na primeira década do
século 20, mas sua história começa em meados do século XIX, época em que as
danças de salão passaram a ser importadas da Europa. O fim do tráfico de
escravos, na década de 1850, provocou o surgimento de uma classe média urbana
(composta por pequenos comerciantes e funcionários públicos, geralmente de
origem negra), segmento de público que mais se interessou por esse gênero de
música, que é cultuado até os dias de hoje, embora raramente seja toca nas
emissoras de rádio e na Internet.
Neste domingo fui à Praça Ary Coelho assistir a um recital
de chorinho no coreto. Quem tocava era a banda Clube do Choro ao Palco, com
repertório que vai desde as raízes de Pixinguinha, Nazaré, Chiquinha Gonzaga
até os mais modernos como Guinga, Pascoal e Tom Jobim, além de composições
autorais de seus integrantes, principalmente de seu líder, Raimundo Galvão, que
é violonista e jornalista.
Havia uma pequena plateia neste domingo ––não mais de
cinquenta aficionados pelo gênero musical. Mas havia uma justificativa pra um
público tão reduzido: era uma manhã de domingo um bocado fria e cinzenta, com o
sol escondido atrás de nuvens que pareciam anunciar chuva. A apresentação, que
acontece agora todos os domingos, começou às dez horas e foi aberta ao público
e foi até o meia dia.
O Regional Clube do Choro foi criado recentemente para
ancorar o Clube do Choro de Campo Grande, também criado recentemente pela
necessidade de dar continuidade à extinta Confraria do Choro, que acontecia na
Vila Alba, com o objetivo de preservar uma corrente autêntica da arte
musical brasileira, além de ampliar o gosto do sul-mato-grossense pelo chorinho.
Quem tem um gosto musical que vai além da baboseira tocada
nas emissoras de rádio não pode perder o Choro Matinal ––o título do projeto
não é este, mas resolvi nomeá-lo assim por desconhecimento de outro nome...
Texto:
Luca Maribondo
Fotos: Mary Saldanha & Luca Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
Fotos: Mary Saldanha & Luca Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
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Grande | MS| Brasil
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